NO SÉCULO XXI...VIDAS À VENDA

Líbia se torna ponto de leilão de escravos

Segundo a CNN, leilões ocorrem em pelo menos nove cidades líbias Foto: Reuters)

“Garotos grandes e fortes para trabalhar na fazenda”, anuncia um homem, em um leilão de homens negros. “Alguém precisa de um escavador? Este é um escavador, um homem forte e grande. 500, 550, 600, 650 dinares”, diz ele, referindo-se aos homens como “mercadorias”. Em menos de dez minutos, dez homens são vendidos.

A cena, que remete ao tráfico de escravos do século XVI, na verdade, foi flagrada em outubro deste ano, na Líbia, por uma reportagem investigativa da CNN. A emissora recebeu de uma fonte um vídeo de um leilão ocorrido no mesmo local e enviou uma equipe munida de câmera escondida para acompanhar o evento.

Após o leilão, os jornalistas tentaram falar com o responsável pelas vendas, que não quis tecer comentários. Dois homens vendidos também foram abordados pela equipe, mas, em estado de choque, também não falaram. Um deles foi vendido por 650 dinares (cerca de R$ 1 mil).

Segundo a CNN, leilões como esse ocorrem em pelo menos nove cidades líbias. A prática é tão comum que costuma ser feita ao ar livre. Os leilões fazem parte de uma complexa rede de tráfico de escravos que surgiu na esteira do combate europeu à crise de imigração e hoje são amplamente ignorados pelo Ocidente.

Em 2011, a chegada da Primavera Árabe na Líbia deu início a protestos massivos que resultaram na captura e morte do ditador Muammar Khadafi, que governou o país sob um regime autoritário por mais de 40 anos. O embate entre rebeldes e as forças de Khadafi deram início a uma guerra civil. Tropas da Otan interviram o conflito atacando os soldados de Khadafi, que enfraquecido fugiu para Sirte, sua cidade natal, onde foi capturado e linchado até morte por rebeldes.

Nos anos que se seguiram, a Líbia foi tomada pelo caos. Abandonada pelo Ocidente, ela se tornou palco de disputa de interesses entre grupos políticos e étnicos que foram reprimidos durantes as décadas da ditadura de Khadafi. Completando o cenário caótico, está o Estado Islâmico, que acuado na Síria e no Iraque estuda o país como uma nova base para suas operações.

Somente em 2015, a Líbia retomou a atenção do Ocidente por conta da crise de refugiados na Europa. O país se tornou um ponto de atração para refugiados que buscavam migrar para a Europa fugindo de conflitos civis ou em busca de melhores condições econômicas. O fluxo de refugiados logo chamou a atenção de milícias e outros grupos locais que deram início a uma rede de tráfico de seres humanos promovendo a arriscada travessia entre o norte de África e a Europa.

Em fevereiro deste ano, a Itália e o governo de unidade líbio apoiado pela Otan firmaram um acordo de US$ 236 milhões para reduzir o fluxo de imigrantes que partia da Líbia para a Europa. Como parte do acordo, a guarda costeira italiana treinou a guarda costeira local para interceptar barcos transportando imigrantes e trazê-los de volta para a Líbia.

O acordo reduziu drasticamente a imigração na Europa, mas criou um acúmulo de imigrantes na Líbia. Sem dinheiro, sem ter para onde ir, a quem recorrer e em débito com os traficantes, esses refugiados passaram a ser vendidos como escravos. Alguns conseguiram escapar após ter o resgate pago pela família e relataram o ciclo de abusos, denunciado pela Organização Internacional para Migrações (OIM) em abril deste ano.

A prática também foi denunciada pelo fotógrafo Narciso Contreras, vencedor do prêmio Carmignac Photojournalism em 2016. Contreras viajou pela Líbia no intuito de registrar a crise. O trabalho resultou na exposição Libya: A Human Marketplace, que exibiu os registros fotográficos de Contreras sobre o comércio humano na Saatchi Gallery, em Londres.

“O que eu descobri lá foi um mercado de escravos. É como uma indústria, mas o mundo vê a Líbia como um país de trânsito. […] A crise humanitária de imigrantes que tentam chegar à Europa é bem documentada, e é uma história que as autoridades líbias querem contar. Mas o vasto mercado de venda de seres humanos é largamente não documentado”, diz Contreras, em entrevista à Reuters (confira aqui a entrevista na íntegra).The Guardian

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