DIREITOS HUMANOS BRASIL

Brasil tem ‘padrão contínuo’ de assassinatos de ativistas, diz Anistia

Relatório lista o Brasil como o mais perigoso das Américas para quem defende os Direitos Humanos (Foto: pucsp)

Já faz muito tempo que o sociólogo francês Loïc Wacquant, referindo-se à disputa de discursos em sua área de mais profícua atuação, que é a das políticas criminais que resultam em políticas de encarceramento em massa, disse que “tudo aquilo que rompe o ronrom desta politologia flácida que serve [aos jornalistas] de instrumento de apreensão da sociedade tem todas as chances de ser percebido como uma agressão ou de simplesmente não ser percebido”.

O próprio Wacquant, quando visitou o Brasil em 2001, deu várias entrevistas a vários dos grandes veículos brasileiros de imprensa naquela ocasião. Na época, apenas o velho Jornal do Brasil chegou a publicar o que seus repórteres tinham ouvido do sedicioso francês, que costuma fazer seus interlocutores ouvirem constatações tão estranhas, mas balizadas em sólidos referencias estatísticos e investigatórios, como: “a penitenciária é a política habitacional do capitalismo tardio”.

No país onde ora viceja o ronrom de que ativistas que criticam a polícia das mais letais do planeta são “defensores de bandidos” e de que a observância dos mais elementares direitos humanos deveria ser privilégio dos “humanos direitos” (seja lá o que isso possa significar), tem grande chance de uma vez mais não ser devidamente percebido, ou de ser percebido mais uma vez como agressão, o mais recente relatório da organização Anistia Internacional, mais um com duras críticas ao Brasil, divulgado na última terça-feira, 5, sob o título “Ataques letais, mas evitáveis: assassinatos e desaparecimentos forçados daqueles que defendem os direitos humanos”.

Isso por mais que esse mais novo documento da AI se debruce antes sobre a atuação desses ativistas, e as cruentas represálias a eles, nas esferas dos conflitos rurais e da violência contra homossexuais, e menos sobre o cenário das políticas criminais com derramamento de sangue nos grandes centros urbanos do país, talvez porque as vozes da razão civilizatória ante o avanço dessas políticas (ainda) não têm sido flagrantemente silenciadas, uma após a outra, à base da bala.

O relatório da AI divulgado nessa terça classifica o Brasil como o país mais perigoso das Américas para quem se atreve – essa parece ser a palavra – a defender os Direitos Humanos, com 66 mortes de ativistas em 2016 e, até agora, 58 em 2017, a maioria delas, sobretudo de indígenas e trabalhadores rurais, relacionada a disputas em torno de questões ambientais e a conflitos agrários.

O que já era crítico, piorou

E mais: a Anistia enfatiza em seu documento que grande parte dos assassinatos e desaparecimentos de ativistas e lideranças de defesa do meio ambiente e do acesso à terra foram precedidos de agressões e ameaças “para as quais as autoridades fecharam os olhos ou até mesmo encorajaram”. Ou até mesmo crimes levados a cabo pelos próprios agentes do Estado, como no caso da chacina de Pau D’Arco, no Pará, citado com destaque no relatório, quando, em maio deste ano, 10 trabalhadores rurais que ocupavam uma área grilada, incorporada à fazenda Santa Elina, foram mortos por policiais que se apresentaram para fazer as vezes de jagunços.

No Brasil, país em que grileiros e latifundiários se tornam nobres parlamentares, a noção de que não são ativistas os trabalhadores rurais em luta pelo direito ao trabalho digno e à terra para trabalhar, mas sim criminosos em sua quase totalidade, não pode ser medida com exatidão, mas é grande a chance de ser prevalente. Também é difícil de medir com exatidão até que ponto esse entendimento costuma servir de pavimentação “ideológica”, por assim dizer, para o “padrão contínuo” observado no país, na expressão da AI, de assassinatos como os de Pau D’Arco.

Além de país mais perigoso das Américas para quem se apresenta para “trazer à luz as relações entre a demanda por recursos, a corrupção, o conflito e a destruição do meio ambiente”, o Brasil figura entre os mais mortíferos do mundo quando se trata desse tipo de luta popular, ao lado das Filipinas e da Índia, além de Colômbia e Honduras. O relatório ressalta que, além das intimidações, sequestros e assassinatos por parte das forças de segurança do Estado e de capangas de grandes proprietários de terras, os ativistas que se debruçam sobre questões ambientais costumam ser alvo de violência também no seio das comunidades onde atuam, “gerada pela falta de participação adequada, consulta autêntica e informação sobre projetos de exploração de recursos impulsionados tanto pelo Estado quanto por empresas privadas”.Hugo Souza

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