TEMPLOS RELIGIOSOS

Aura mística reforça nacionalismo do leste asiático

Shikoku é famosa como local de peregrinação budista (Foto: Flickr)

Shikoku, a menor das quatro principais ilhas do Japão, é famosa como local de peregrinação budista. Os caminhos percorrem, ao longo de dois meses, as cidades no litoral e os 88 templos construídos nas cadeias de montanhas arborizadas no interior, como uma cena de uma pintura chinesa.

Muitos dos templos budistas do Japão são construídos em regiões montanhosas. O visitante tem a sensação de escalar uma montanha em direção ao céu. Ao chegar sem fôlego ao pico, antes de bater a pesada baqueta de madeira no sino para anunciar sua presença aos deuses, em sua escala minúscula de tamanho, ele se sente como se estivesse no colo de forças poderosas de imensa estatura.

O mítico reino de Shambhala, descrito nos primeiros textos sânscritos, exerce nos budistas o fascínio de um êxtase místico e de uma sensação de beatitude. Na comemoração do Ano Novo na Mongólia, em fevereiro, uma mesa baixa em cada tenda circular típica dos pastores nômades mongóis oferecerá comidas como cauda de ovelha muito apreciada pelo povo local e montes de biscoitos e doces que representam as montanhas de Shambhala. Em Shikoku, os peregrinos seguem o caminho trilhado por Kukai, o monge do século VIII, que em uma viagem à China recebeu ensinamentos da tradição do budismo esotérico e ao voltar para o Japão adaptou-os à cultura japonesa. A sede da escola budista shingon, fundada por Kukai, no monte Koya, é visitada por milhões de pessoas todos os anos.

O xintoísmo, a antiga religião politeísta do Japão e ainda praticada no país, caracteriza-se pela adoração a divindades que representam as forças da natureza. Os antigos santuários xintoístas construídos em meio às florestas no alto das montanhas muitas vezes compartilham o local com um templo budista.

Nas décadas turbulentas após a Restauração Meiji no Japão, em 1868, em que o país iniciou um processo acelerado de industrialização e militarização, as montanhas foram usadas como símbolo de um nacionalismo fanático. Os ideólogos chauvinistas aproveitaram a crença no reino mítico de Shambhala para promover a ideia de criação de um grupo de nações asiáticas liderado pelo Japão, sem a interferência das potências ocidentais. O monte Fuji, com o pico coberto de neve, transformou-se em um símbolo da superioridade racial japonesa. Com a derrota do Japão na Segunda Guerra Mundial, o monte Fuji voltou a ser um mero objeto de ilustração de pinturas e cartões-postais.

No entanto, o misticismo das regiões montanhosas ainda perdura na península coreana. Quando o Japão anexou a Coreia no início do século XX, as autoridades coloniais compreenderam o significado sagrado das montanhas para os coreanos. Segundo Alexis Dudden, da Universidade de Connecticut, os picos das montanhas avistados pelos habitantes de Seul definiram a arquitetura do palácio Gyeongbok, que abrigou a dinastia governante. A sala do trono alinhava-se às montanhas para que o poder espiritual da paisagem fluísse pelas veias do imperador. Em 1911, em um primeiro ato de violência colonial, o governador japonês mandou construir um prédio para abrigar a sede do governo, que bloqueou o fluxo de energia vindo das montanhas.

Os símbolos japoneses foram incorporados à cultura norte-coreana por Kim Il Sung, o líder da Coreia do Norte desde a fundação do país em 1948 até sua morte em 1994. Kim Il Sung foi retratado montado em um cavalo branco, como o imperador Hirohito, do Japão, um exemplo imitado por seu neto, Kim Jong-un. Assim como no Japão, uma montanha tem um significado especial para os norte-coreanos.

O monte Paektu, um vulcão extinto, com um lago na cratera, na fronteira da Coreia do Norte com a China, é um símbolo sagrado. Lá, nasceu Dangun, o fundador mítico da Coreia, assim como na história oficial Kim Jong Il, pai do atual ditador, que, na verdade, nasceu em Khabarovsk, na antiga União Soviética.

No entanto, é mais provável que o símbolo do futuro da Coreia do Norte seja uma montanha não mística, mas sim o cenário de uma ameaça nuclear mundial. O monte Mantap, não muito longe da fronteira chinesa, é o local onde o governo norte-coreano faz os testes com seu arsenal nuclear armazenado em túneis cavados por prisioneiros do maior campo de concentração do país situado próximo à montanha. Em razão das inúmeras escavações sua estrutura está frágil. Cientistas chineses temem que um novo teste possa destruir o pico da montanha e liberar uma quantidade letal de material radioativo. Além das montanhas sagradas, existem outras montanhas, diz um provérbio coreano.The Economist

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